Em reunião, universitários do Rio pregaram confronto com a PM e vandalismo
ÉPOCA teve acesso a relatório de inteligência da Polícia Militar sobre assembleia em que alunos da Uerj defenderam “partir para o confronto com os policiais, com pedras e o que estiver disponível.
O oficial da Polícia Militar descia as escadas do Pavilhão Joao Lyra Filho, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), às 21h de uma segunda-feira, quando percebeu uma aglomeração de cerca de cem pessoas. Como em uma reunião política, seis jovens coordenavam os debates e passavam a palavra aos inscritos para discursos inflamados. Os oradores, a maioria estudantes, defendiam o uso de violência e quebra-quebra em manifestações populares. Era 24 de junho, 11 dias após o início da onda de protestos no país, e o policial decidiu se aproximar para acompanhar o que se revelou uma assembleia de alunos de Geografia na Uerj para discutir a forma de ação durante asmanifestações. A descoberta fortuita se converteu em um relatório de informações para a Coordenadoria de Inteligência da PM, ao qual ÉPOCA teve acesso.
Segundo o informe, que relata as discussões, os estudantes defenderam “partir para o confronto com os policiais”, depredar prédios públicos, e usar a internet para aprender a fazer bombas caseiras e coquetéis molotov. O oficial, que não pertence à área de inteligência da PM e manteve seu nome em sigilo, acompanhou os discursos de oito pessoas até ser notado pelo grupo e sair às pressas. Ao menos cinco delas defenderam o uso de violência contra a polícia ou de depredação nos protestos. De acordo com o informe, muitos também estimularam os demais a formalizar denúncias de abusos de violência cometidas por membros das forças de segurança.
Segundo o documento reservado, um estudante chamado Daniel pregou que os alunos “devem partir para o confronto com os policiais, com pedras e o que estiver disponível, pois a polícia representa o Estado e sempre usa de violência contra os manifestantes, que não deverão recuar”. Daniel, que se apresentou como morador do “subúrbio”, defendeu que fossem arregimentados “moradores de comunidades, para fortalecer o grupo”. Outro aluno, não identificado, concordou e disse que os integrantes do movimento “devem provocar desordem e quebrar o que estiver na frente, como bancos lojas, entre outras coisas”. De acordo com ele, “conforme os históricos das manifestações de massa, a polícia sempre agirá de forma violenta contra os manifestantes, então todos deverão estar preparados para a porrada”. Ao longo dos meses, esse tipo de destruição de bancos, pontos de ônibus, lixeiras e vidraças passou a ser padrão de protestos dos grupos de mascarados conhecidos como black blocs.
O informe diz que o mais “exaltado” do grupo era um rapaz chamado Igor, aluno da universidade. “A gente deve entrar em confronto com a polícia com tudo! Na internet se ensina a fazer de tudo: bombas, coquetéis molotov e até bomba atômica!” Segundo o informe, Igor foi muito aplaudido após ter dito que “todos devem estar dispostos a entrar em confronto com os policiais”.
O ex-estudante da Uerj Ícaro pregou ainda as depredações de prédios públicos, como símbolos. A sede da prefeitura do Rio já havia sido o primeiro alvo, cinco dias antes. A Assembleia Legislativa foi também atacada. Em julho, a Câmara Municipal foi ocupada para a votação do plano de cargos e salários dos professores, e nos meses seguintes, alvo de vandalismo. “São muito importantes as depredações aos prédios públicos, como a Assembleia (Legislativa) e a Prefeitura, a fim de estabelecer marcos que servirão de exemplos”, disse.
Ícaro reclamou do comportamento de alguns manifestantes que tinham fugido do confronto com os policiais do Batalhão de Choque, diante da Prefeitura do Rio, no Centro, ocorrido quatro dias antes. “Na hora de enfrentar a polícia, como ele fez no ataque à prefeitura, onde estava com algumas pedras portuguesas para jogar no prédio, os demais fugiram, enfraquecendo o grupo”, diz o relatório, reproduzindo o discurso do rapaz. Ele criticou ainda alguns que estariam “achando que é brincadeira” e iam aos protestos usando maquiagem, apenas com o objetivo de postar fotos no facebook. Ícaro sugere que os que não estiverem dispostos a enfrentar o Estado, “representado pela polícia”, devem ficar em casa para “não atrapalhar o movimento”.
Outro estudante da Uerj, identificado no relatório como Pedro, contou ter sido preso “injustamente” por policiais, junto com outros 15 manifestantes. O grupo foi acusado de formação de quadrilha e furto, mas liberado logo em seguida. Entretanto, disse, a detenção não tinha tirado sua “disposição” para participar de outros eventos.
No período em que acompanhou o grupo, o oficial da PM percebeu a presença de uma integrante da Juventude do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), a estudante de pedagogia Bruna. No seu site, o PSTU pede a “liberdade imediata de todos os presos políticos de Cabral e Paes” e traz uma foto do governador com uma farda nazista, estilizada. Em sua fala, em que aparentemente não defendeu o uso de violência, Bruna vibrava com a adesão inédita à reunião e conclamou os colegas a participar da mobilização da UNE (União Nacional dos Estudantes), no sábado seguinte, com a participação de “partidos de esquerda, como PSOL, PSTU, PT etc.” No protesto violento desta segunda-feira (21), contra o leilão de Libra, na Barra da Tijuca, havia bandeiras do partido.
Assim que o 8º orador, Thiago, começou a falar, o policial infiltrado na assembleia percebeu estar sendo observado, o que o fez deixar a plenária. “Alguns alunos se aproximaram muito de mim, a fim de saber ou identificar o que eu estava anotando, fazendo isso várias vezes, e tive que sair do local.”
De acordo com o relatório da Coordenadoria de Inteligência da PM, os principais assuntos em pauta no encontro foram “a violência das ações policiais”, a “preparação para o confronto com a polícia” e o incentivo para que “todos relatem e formalizem os abusos policiais”.
Fonte época